quarta-feira, 25 de março de 2020

ao seu nascente

Eu sempre sei escrever sobre despedidas...
Eu vou olhar de longe ela casando, amando, sorrindo, gozando, gestando e criando o próprio mundo. Ela é dona de si. Os olhos dela vão longe, não é mais possível me alcançarem. Eu vou ver ela de longe e não importa quantos quilômetros me distanciarem. Os anos também se vão, mas nunca tão longe. Seu vestido branco, único em plena multidão será vestígio de sonhos que eu jamais presenciarei. Ela sorrindo depois de um belo banquete entre amigos, familiares e padrinhos. Serão muitas pessoas por perto e eu de bem distante dizendo sobre amores e ventos num barco à vela afastado do continente. Longínqua. Eu e a neblina que invadiu o dia. Será no meio da praia o casamento dela. Eu já vejo as flores derramando suas pétalas amarelas, vermelhas e brancas pelo tapete de areia. Será simplesmente lindo. E o mar a me levar por onde nenhum amor nunca esteve. Amar de uma lonjura infinita e valente. Perder para si mesmo vendo fantasmas e uma tempestade à sua frente é desgovernante. A quem já naufragou tantas vezes é hora de se propor ir mais longe. Que chegue aonde ninguém podia dizer que chegaria. Vá pra mais perto de si e de sua própria ilha. Leve a imagem dela na sua parede de fotos indeléveis. Por onde for mais breve a fuga e mais certa a partida. Não retorne de onde saiu um dia. Siga, enfrente a si e lembre dela naquele vestido de amor nascente. O sol já lhe dará um poente para se esquecer de si e das suas feridas. Amar é a cura. Amando há de se curar no fim. O tempo é a única parceria nessa viagem dura... Amargura? Demora em mim a braveza ácida do desarmar em desamor as minhas muralhas. Por baixo de tudo, ferida e sangue sal e água. Nenhuma rota perdura infinitamente. Velas soltas no mar apontam um porto em breve. E nenhuma dor encostará em terra.

no fim ela

- eu conto pra ela hoje?
- não. deixe ela feliz por mais esse dia.
- e se morrer hoje...
- será como uma surpresa ruim e não como uma espera dolorosa.
- o que direi?
- que eu não vou sofrer assim pra sempre.
- o que mais?
- que eu vivi o suficiente.
- econômica?
- matemática.
- é sobre nunca mais poder abraçá-la...
- eu estarei viva enquanto ela estiver... em sua mente.
- e o corpo físico?
- nunca foi o bastante.
- o que direi sobre as manhãs, as tardes e as noites dela esperando na sua frente?
- que eu sabia.
- é verdade?
- talvez eu sinta ela do outro lado da margem.
- o oceano de vida que vai separá-las é gigante.
- não acredito em vida após essa. mas sei que seus olhos leram a minha mente por todos esses anos. nunca ninguém chegou em mim tão longe.
-  quais suas últimas palavras a ela?
- eu a amo. e o presente de amar dura por toda eternidade

No Brasil temos uma mentalidade tão carente que idolatramos os funcionários que possuem cargo eletivo. Idolatramos vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidente e demais funcionários porque temos uma carência de instrução, uma precária educação crítica e uma ignorância absurda sobre nossa própria realidade. Já foi denominado alienação esse estado em que não se sabe de si mesmo ao defender quem não lhe defenderia. A lógica desenhada parece óbvia, mas no Brasil (país do futebol) defender o "seu político" é muito mais comum do que defender o direito de todos ou melhorias para a coletividade. O problema é que a conta chega, o resultado é sentido por todos. Quando defendemos os políticos que deveriam ser nossos funcionários, que deveriam ser cobrados para fazerem da melhor forma as suas funções, perdemos o principal: nossa dignidade enquanto nação. Aqui não vale nada ser honesto e competente. Aqui basta só balançar bandeira e morrer ou matar por gente que NUNCA nem nos conhecerá. Se morrermos ou se nossos parentes morrerem eles jamais vão chorar. Eu queria um país de gente exigente (instruída) e não de torcedores fanáticos por nomes e siglas imundas de tanta corrupção e incompetência. Eu queria um país de gente sensata!
As periferias e as favelas sempre foram alvos das "balas perdidas", mas ninguém sentia. A ascensão da classe média, que promoveu sua voz, fez se ouvir o sofrimento de muita gente. Agora querem retirar o direito de existir. A importância de educar nas áreas periféricas está em garantir que o direito de existir e ter voz na política jamais pereça. Dar voz a quem sempre foi silenciado é uma luta diária da educação antifascista e democrática.
O mal do indivíduo que defende o capitalismo é pensar que a humanidade depende de dinheiro para viver. Não se defende mais a vida das pessoas, mas somente o "direito" de produzir. A alienação é uma forma de suicídio, faz parte da estrutura cultural capitalista indiscutivelmente genocida, Marx comentou a relação de necropolítica da vida privada nesse sistema desumano. Saramago também demonstrou o poder dessa "máquina" em desumanizar a gente. A era bolsonazi brasileira mascarada pela defesa do "bem" maior (capital) não está mais debaixo de máscaras. Defender esse discurso é banalizar a violência contra a própria humanidade coletiva e intrínseca. Muitos fascistas se empenharam na mesma direção, como exemplificou Hannah Arendt em "Eichmann em Jerusalém". O mal é a desumanidade que nos faz nos distanciarmos do que é ser humano e nos aproximarmos de "máquinas da produtividade". Para mim, está mais do que na hora de defendermos a ideia de ser humano, que não é natural. Precisa ser reinventada, mas também ensinada, transmitida e valorizada urgentemente.