quinta-feira, 23 de abril de 2020

Eu queria dizer que tanto concordo quanto cada vez mais vejo o meu lugar de branca (embora periférica) gritar seus privilégios. Sou das únicas entre as amigas que demorou para trabalhar, demorou para se sustentar, não pega quase em uma vassoura mas foi cuidada por empregadas e babás. Mamãe trabalhou a a minha infância inteira, regada em um lindíssimo lema "estudem para que não dirijam fogão, não crio filhas para que sejam pilotos de fogão". Foi o exemplo mais revolucionário, porém com uma dose de cruel ao mesmo tempo. Queria explicar o que pressinto hoje, mas nem consigo enxergar com exatidão. Não consigo morar sozinha porque dependo afetivamente da minha família que depende afetivamente de mim. Um ciclo adoecedor. Mas, para além dessa prisão familiar comum no patriarcado (brancocêntrico), percebi que na minha casa relacionamos diretamente trabalho doméstico ao desprezo que temos pela histórico desse trabalho, isto é, por racismo. É um racismo forte na minha família imaginar mulheres, brancas, criadas para serem as patroas sendo as "donas de casa que fazem tudo". Se não somos quem cozinha, advinha quem faz? Se não somos quem cria os filhos, quem fará por nós? Se queremos alçar vôos extraordinários na Academia, quem nos sustentará? Infelizmente, a resposta é devastadora. 😣 Eu sempre achei lindo o fato de eu me sentir muito feminista, com uma mãe como exemplo de mulher que não é "do lar". Foi quando caí na real. Aqui em casa não lutamos por libertar mulheres. Não. Só a nossa própria ascensão é objetivada. Se para isso outra mulher, em geral negra e periférica tiver que ocupar esse lugar, não nos revelaremos. É duro dizer com todas essas letras, mas o racismo no patriarcado é alma do negócio. Sem uma emanciapação de TODAS as mulheres, iniciando pelas negras e minorias (indígenas, ribeirinhas, amazonidas, quilombolas, mulheres trans e etc.) não tem feminismo que funcione. É puro blá blá blá. Eu percebi isso na minha vida da pior forma.