terça-feira, 23 de julho de 2019

Enquanto a metáfora do anticristo for vista como uma filosofia contra a religião, não avançaremos na epistemologia nietzscheniana. Se há uma epistemologia proposta por Nietzsche, essa é um viés filosófico da ruptura com os dogmas e doutrinas em qualquer forma de pensamento, inclusive a ciência e a filosofia clássica - como já sabemos. Reconhecer o questionamento sobre a autoridade absoluta da religião na existência humana, realmente foi um dos maiores embates culturais propostos por Nietzsche, mas não é o único. Encontrar nesse questionamento essencialista o núcleo do existencialismo e da fenomenologia é uma possibilidade catalisadora nas questões nietzschenianas. Desculpem a chatice do argumento que se reitera e se ratifica, mas é necessário enfatizar: não se trata de ir contra a Igreja enquanto instituição religiosa, mas sim de questionar o seu poder absoluto em relação à política, à ciência e à cultura. A igreja não é, para Nietzsche, uma entidade social ou somente religiosa, ela é o pensamento dogmatizador, desumanizador, deturpador da consciência. Para ele, há o aparelhamento simbólico através da naturalidade de resolução por meio do mítico. É isso que precisamos focar, pois o fascismo é um dispositivo dentro desse sistema.

sábado, 20 de julho de 2019

Sou professora no interior do Maranhão e vejo os olhos humanos com fome todos os dias na escola. Quando estamos sem merenda, a fome que faz desmaiar em sala. Quando estamos com uma merenda fraca, a fome que desconcentra e desatenta para o conteúdo - aliás, desde que sou professora de escola pública (há 3 anos) o conteúdo já não é mais o meu foco, me foco em meus alunos e em seus olhos vulneráveis. Quando é período de férias e meus alunos não comerão sempre, eu sei, isso me arde por dentro porque eu sinto a fome deles na minha alma. Eu já tive fome, eu já quis comer e não havia o que eu queria, mas eu nunca dormi sem uma refeição ao menos. Apesar da minha ignorância, não há como não sentir a fome dos meus, da minha comunidade e da minha gente que luta, que cai e que morre bem do meu lado. A fome está do meu lado e, se eu não a visse, a desumanidade já havia me cegado. Sou muito descrente nas falácias interpretativas que encontro sobre a narrativa literária de Jesus, mas gosto de me lembrar de parte de suas andanças em que encontrou a fome e não cegou. Talvez, Jesus de Nazaré (aquele interiorano pobre) tenha enxergado na fome dos seus a sua própria miséria. É miserável ser humano e não poder acabar com a fome de toda gente. Ser humano e ser impotente diante da fome é uma miséria com a qual devemos conviver por derrota, por fracasso mesmo de humanidade que se acha tão superior aos outros animais e não é. A fome é a miséria da humanidade e nossa maior derrota. O que fez Jesus então? Repartir o pouco que tinha, o pouco que era com todos, diz-se que multiplicou pães e peixes. Eu, por outro lado, acredito que tenha multiplicado a humanidade entre os homens e fez com que os que tinham repartissem o seu pouco e assim fizeram o milagre de ser igual. Ser igual é uma virtude rara. Ser igual a quem tem fome, mesmo sem nunca ter sentido essa dor de fato, é um milagre. Ser humano hoje em dia é fazer todo dia em si um pequeno milagre. Que o fascismo não nos tire a humanidade.
Muito obrigada! Precisamos mesmo tornar a inclusão a nossa realidade educacional. Incluir não é integrar, da mesma sorte que intervir não é interferir. Enquanto na integração se coloca o aluno como um atendido pelo sistema educacional, através da inclusão, o aluno é o catalisador da educação. Ele gera o método, ele compartilha com o professor e seus colegas do processo de ensino-aprendizagem e a avaliação deixa de ser um mecanismo de exclusão e "seleção natural" e passa a ser o meio de compreensão e garantia do direito fundamental ao saber comunitário institucionalizado. Precisamos rever URGENTEMENTE as concepções de Educação no nosso país. Meu sonho é um dia conseguir ser professora de uma escola pública em que exista a garantia plena do direito à Educação formal. Esse é o meu sonho.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Toda pessoa gordofóbica é um reprimido. A insegurança pela falta de autoestima, pela ausência de reconhecimento de suas qualidades, por saber de seus indefensáveis defeitos, por se conhecer medíocre para muitas coisas...um indivíduo transtornado psicológica e socialmente é gordofóbico. Apesar disso, não há por que termos pena de um gordofóbico no sentido de querer ajudar, aconselhar, conscientizar. Nada disso terá efeito. Um gordofóbico é como um racista e um homofóbico tem um ódio que pode destruir uma pessoa que ele encontra como alvo. Alvo de destruição. Então, é preciso se afastar, calar, não dar atenção, ignorar e deixar na escuridão de onde saiu. Como disse Nietzsche "de tanto olhar o abismo, o abismo te olha". Os monstros que enxergamos no outro são o espelho da nossa alma. Deixem os demônios sozinhos e eles se autodestruírão, não como suicidas, mas como quem precisa acabar com a maldade que lhe habita sozinho, no seu próprio limbo.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Infelizmente nossa realidade impede que muitos dos brasileiros imaginem o que seja uma universidade federal. Com certeza, a esmagadora maioria mal pensa em cursar uma faculdade, muito menor é o número dos que sonham em se pós graduar por uma instituição pública. A população não sabe que possui esse direito, não sabe que é um "sonho" que deveria se tornar realidade, não sabe que pode e deve querer maior qualificação profissional para além de uma simples formação burocrática (comprobatória, só um papel para mostrar na entrevista de emprego por exemplo), entre outras alienações. O povo brasileiro é muito alienável porque não possui instrução formal de qualidade, já que a escola pública em geral vem sendo há séculos um projeto de inserção de mão de obra em um tipo de mercado de trabalho violento, que é contra a qualidade de vida do operário, sendo viciado em produtividade precarizante. São muitos os fatores e o produto é um só: ignorância. Esse é o efeito de um projeto de país que se fez desde a primeira colonização e segue na sua versão mais feroz, o imperialismo neoliberal fascista. É preciso reagir? Óbvio! Mas como se enfrenta uma mídia colonizada, com uma educação precarizada, com professores tornados inimigos e com uma população esmolando direitos elementares como o de se alimentar???? É um desabafo o que eu faço. Me perdoem.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Não tem maior representação do Brasil do que a imagem de um estádio de futebol com a seleção masculina em final de campeonato cuja divisão entre os que vaiam e os que aplaudem demonstra nosso abismo. Enfim, eles conseguiram. Colocaram o povo em guerra, fizeram da nossa gente uma torcida que se estranha e se sabota. Hoje somos um país sabotado de sabotados! Não há mesmo o que comemorar, não há por que comemorar. Sobre o atual (DES)governante do país, não há nem o que se falar, senão que é um ventríloquo, uma besta falante. Também há muito o que se entristecer por isso. Mas nada é maior do que o fracasso democrático, isto é, a derrota do povo brasileiro expressa em sua autorrejeição. Somos um país despedaçado.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Um pouco por preguiça, um pouco por pão-durismo, tenho muita dificuldade em abrir mão de pertences de uso cotidiano. Fui proprietário, até o final de março, de um moletom que era o meu favorito e me acompanhava desde 2005. A estampa estava toda descascada e o zíper foi quebrando em várias partes até que se soltou completamente. Uma pena, porque tenho saudades desse moletom. Lembro também de um par de tênis brancos que dei como aposentados após quase uma década de uso. Passou um ano ou dois e os reabilitei para um fim de carreira que se estendeu por mais um biênio. Meu computador teve carreira semelhante: nascido em 2009, entrou em coma em abril do ano passado e, desenganado pelos técnicos, passou três meses vegetando até que retornou um dia sem aviso, lento mas robusto, e aqui está, é nele que vou escrevendo estas bobagens. O mais recente episódio começou em fevereiro, quando meu telefone deixou de carregar. Não demorei a perceber que bastava dar uma leve calçada na extremidade do cabo que ele voltava a carregar, assim de viés, mas carregava. Tinha que tomar muito cuidado, na hora de digitar, para não fazer ruir o calço que eu edificava com a carteira e um livro de crônicas. Segui assim por mais três meses, até que numa quinta-feira ele morreu por completo. Ou pensava eu que tinha morrido, porque o levei até uma loja e tiraram do buraco do carregador uma bolinha de tecido, que era o que estava atrapalhando tudo. E redivivo ele seguiu por mais seis ou sete semanas, até que a tomada ao lado da cama – mistérios da tecnologia – deixou de funcionar. Tive que mudar para a tomada perto da porta, o que era incômodo, porque eu esquecia de acionar o alarme e tinha que sair de baixo das cobertas para garantir que ele tocasse de manhã. Mas a tomada da porta também parou de funcionar – e eu tentei sugar com a boca uma nova bolinha de tecido, mas agora o problema parece que não era mais com o buraco do carregador, era mesmo com a tomada. Atrás da estante de livros fui encontrar uma terceira tomada, esquecida, que me serviu por mais alguns dias, mas como as outras morreu, vai entender. De maneira que, nesta noite de segunda, estou respondendo mensagens de pé, no banheiro, na tomada que me restou, apenas sete por cento de bateria. Em noites frias, meu celular salta do oitenta e dois para o nove por cento, sem aviso. Outras vezes fica estacionado no cinquenta e um por horas, até que num instante vai a zero e morre. Por essas e outras, tem tudo para continuar a meu lado por mais alguns anos.
Daniel Serrano - crônica de Facebook