sábado, 20 de julho de 2019

Sou professora no interior do Maranhão e vejo os olhos humanos com fome todos os dias na escola. Quando estamos sem merenda, a fome que faz desmaiar em sala. Quando estamos com uma merenda fraca, a fome que desconcentra e desatenta para o conteúdo - aliás, desde que sou professora de escola pública (há 3 anos) o conteúdo já não é mais o meu foco, me foco em meus alunos e em seus olhos vulneráveis. Quando é período de férias e meus alunos não comerão sempre, eu sei, isso me arde por dentro porque eu sinto a fome deles na minha alma. Eu já tive fome, eu já quis comer e não havia o que eu queria, mas eu nunca dormi sem uma refeição ao menos. Apesar da minha ignorância, não há como não sentir a fome dos meus, da minha comunidade e da minha gente que luta, que cai e que morre bem do meu lado. A fome está do meu lado e, se eu não a visse, a desumanidade já havia me cegado. Sou muito descrente nas falácias interpretativas que encontro sobre a narrativa literária de Jesus, mas gosto de me lembrar de parte de suas andanças em que encontrou a fome e não cegou. Talvez, Jesus de Nazaré (aquele interiorano pobre) tenha enxergado na fome dos seus a sua própria miséria. É miserável ser humano e não poder acabar com a fome de toda gente. Ser humano e ser impotente diante da fome é uma miséria com a qual devemos conviver por derrota, por fracasso mesmo de humanidade que se acha tão superior aos outros animais e não é. A fome é a miséria da humanidade e nossa maior derrota. O que fez Jesus então? Repartir o pouco que tinha, o pouco que era com todos, diz-se que multiplicou pães e peixes. Eu, por outro lado, acredito que tenha multiplicado a humanidade entre os homens e fez com que os que tinham repartissem o seu pouco e assim fizeram o milagre de ser igual. Ser igual é uma virtude rara. Ser igual a quem tem fome, mesmo sem nunca ter sentido essa dor de fato, é um milagre. Ser humano hoje em dia é fazer todo dia em si um pequeno milagre. Que o fascismo não nos tire a humanidade.

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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA