Um pouco por preguiça, um pouco por pão-durismo, tenho muita dificuldade em abrir mão de pertences de uso cotidiano. Fui proprietário, até o final de março, de um moletom que era o meu favorito e me acompanhava desde 2005. A estampa estava toda descascada e o zíper foi quebrando em várias partes até que se soltou completamente. Uma pena, porque tenho saudades desse moletom. Lembro também de um par de tênis brancos que dei como aposentados após quase uma década de uso. Passou um ano ou dois e os reabilitei para um fim de carreira que se estendeu por mais um biênio. Meu computador teve carreira semelhante: nascido em 2009, entrou em coma em abril do ano passado e, desenganado pelos técnicos, passou três meses vegetando até que retornou um dia sem aviso, lento mas robusto, e aqui está, é nele que vou escrevendo estas bobagens. O mais recente episódio começou em fevereiro, quando meu telefone deixou de carregar. Não demorei a perceber que bastava dar uma leve calçada na extremidade do cabo que ele voltava a carregar, assim de viés, mas carregava. Tinha que tomar muito cuidado, na hora de digitar, para não fazer ruir o calço que eu edificava com a carteira e um livro de crônicas. Segui assim por mais três meses, até que numa quinta-feira ele morreu por completo. Ou pensava eu que tinha morrido, porque o levei até uma loja e tiraram do buraco do carregador uma bolinha de tecido, que era o que estava atrapalhando tudo. E redivivo ele seguiu por mais seis ou sete semanas, até que a tomada ao lado da cama – mistérios da tecnologia – deixou de funcionar. Tive que mudar para a tomada perto da porta, o que era incômodo, porque eu esquecia de acionar o alarme e tinha que sair de baixo das cobertas para garantir que ele tocasse de manhã. Mas a tomada da porta também parou de funcionar – e eu tentei sugar com a boca uma nova bolinha de tecido, mas agora o problema parece que não era mais com o buraco do carregador, era mesmo com a tomada. Atrás da estante de livros fui encontrar uma terceira tomada, esquecida, que me serviu por mais alguns dias, mas como as outras morreu, vai entender. De maneira que, nesta noite de segunda, estou respondendo mensagens de pé, no banheiro, na tomada que me restou, apenas sete por cento de bateria. Em noites frias, meu celular salta do oitenta e dois para o nove por cento, sem aviso. Outras vezes fica estacionado no cinquenta e um por horas, até que num instante vai a zero e morre. Por essas e outras, tem tudo para continuar a meu lado por mais alguns anos.
Daniel Serrano - crônica de Facebook
Daniel Serrano - crônica de Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA