Quando eu era muito pequeno, uns três pra quatro anos, minha tia mais velha, minha amada segunda mãe, me deu uma lição muito clara sobre corpos femininos. Sobre corpos femininos em geral.
Eu tomava banho com ela. Com qualquer tia. Eu era neném. Elas eram minhas pessoas favoritas no mundo. Só minha tia mais nova que era mala. Depois desmalizou e virou minha comadre.
Eu estava lá, todo trabalhado nas espumas do Francis azul quando fiz minha graça.
- Tia , porque você não tem piupiu?
- Homens tem piupiu e mulheres tem Tutuca.
- E por que?
- Porque é assim. O corpo da mulher é diferente do corpo do homem. ( Estamos falando de 1978. Não militem, por favor. Tô ocupadíssimo até às 17 horas de quarta feira).
Aí comecei a rir. Criança ri de tudo, né? Eu tinha quatro anos.
Minha tia continuou:
- Tá rindo de que garoto? Lava esse pinto. Puxa essa pele ( fimose, sabe? Corpos equipados com pinto às vezes vem com essa sambaquirinha peniana. Perdão pelo #oversharing).
- É muito engraçado isso
- Tem graça nenhuma. Coisa da natureza. Tudo muito normal. Quem não tem uma coisa tem outra, quem não tem morreu. E quando eu ficar bem velhinha você que vai cuidar de mim e vai ter que me dar banho e ver minha Tutuca todo dia. Para de bobeira.
Ela me enxugou.
- Deixa a tia ver se esse suvaco tá cheiroso.
Levantei meu braço. Ela me fungou. Fingiu um espirro.
- Atchim! Que cheiro de inhaca. Vamos passar um talco aí, seu cocô enfeitado. (Ela me chama assim até hoje. Mimoso, né? A beça).
Eu ri. Ela riu.
A vida seguiu.
Tempos depois meu pai ficou internado mais de um ano. Até ficar em um quarto particular ele passou por três enfermarias masculinas que ficavam de frente pras femininas. Meu bem... Só lembrava da lição singela da minha tia. Era senhor chorando que tinha perdido o pinto, era senhora em surto correndo pelada, era ajudar na higiene do meu pai... Era ajudar enfermeiras a tirar o corpo pesado de uma cama e passar pra maca.. Ihhhhhh...
Hoje fico meio astrazênico quando problematizam as amigas ximbicas. Fico com cara de "ué'. Mas meu lugar de fala é lugar de falo. Comento um pouco, mas depois solto no éter porque não quero parecer FEMINISTO (HAHAHAHA A CHAKOTA) e nem me apropriar do protagonismo alheio. Mas pra mim é a coisa mais normal do mundo. E também sou assim com pintos adjacências. Corpo nu, sem o verniz dos ofertórios safados e das seduzências safadificantes ou confeitos fetichistas, é só um corpo nu.
Sou muito simplinho, gente.
Algumas palavras eu acrescentei porque o tempo já roeu o filó das memórias.
#artistasuburbanoreflexivo
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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA