Quando meus olhos fecharam...ela surgiu na minha cozinha. Era uma casa toda clara, tinha cortinas na janela e uma linda sacada. O cabelo dela estava preso e fazia uma coroa em cima da sua cabeça de rainha. Ela me dizia frases comuns e eu nem respondia. Eu ainda não sabia o que ela queria ali de frente pra mim em plena sua casa, lugar que ela regia sem nenhuma insegurança.
Eu olhei nos seus olhos e estranhei como eles estavam sorrindo. Eram de uma cor que luzia, tipo cristais em prisma. Um arco-íris se fez no meio da minha vista. As janelas estavam abertas, eu sentia o vento que balançava as venezianas no meu quarto.
Ouvi o som da minha playlist favorita e o nome dela estava chamando na tv. Era ela na minha sequência viciante. De longe, a música dizia "qualquer lugar com você é casa... você é casa". Era ali a minha moradia.
Olhei ao redor, a mesa estava posta. Eu estava sentada inerte. Se o mundo balançasse eu não cairia, apesar da lei de Newton. Ela era o único dispositivo que eu seguia. Ao som macio da sua voz mansa e aguda, ouvi um "eu queria o leite não esse negócio aqui", eu balbuciei "você quer mandar em tudo", com voz suavemente rebelde. Ela me olhou como se dissesse "tá sonhando de novo...seus olhos ficam ausentes".
Acordei de repente. Ela estava de novo na minha mente. Eu estava de novo sorrindo e dizendo "onde ela consegue tamanha autoridade?". Era a dona de tudo que eu via frontalmente. Eu via apenas à frente e o passado estava longe demais com ela sendo um presente incondicionalmente. O futuro era o meu invisível poente. O sol se põe todo dia, e a noite invade a gente.
Ela era o meu nascer. Nasceram tantas coisas dela que eu nem sei o que ela não gestava. Criadora como a natureza imponente. Criatura como o mar mais pungente de vida. Fértil como uma ventania ardendo as florestas. Não há o que pereça em sua dinastia. Ela invadiu a minha sala de jantar, já era 21h e logo tomaria conta de mim durante toda a madrugada.
Eu olhei para ela sentada em uma das cadeiras. Estávamos todos em volta dela na mesa. Era eu, uma bela menina cacheada e boba, um menino de cabelos dourados e ela com os olhos de reprovação pela aquela cena novelesca sem graça. Ela queria o quê? Nossas bílis enquanto passava um breve noticiário na tv longínqua. "Quem deixou essa porcaria ligada?". E eu querendo sentar na sua sala enquanto comia salada e pizza de rúcula.
Ela queria fanta laranja, alguém comprara fanta uva e batatas fritas. Quem se atreveria a tamanha displicência. "Era o que tinha". "Nunca tem milho de pipoca, cerveja longneck e nem meu sorvete favorito". "Qual é o seu sorvete favorito, dona?". "Qualquer um que esteja bem durinho, né, mãe". "Eu ainda pergunto, sabendo que sempre perco essa história". "Calada você está certa, mas falando você é condenada".
Ela me condenou a ser sua. No dia em que lhe vi naquela roda de gente estranha. Ninguém fala nada com nada e eu tô aqui atrás do farol que os olhos dela refletiam desde a porta daquele construção anacrônica. Ela é uma velha resposta aos meus traumas. E eu fui deitar sem conseguir acordar do sonho que é poder tê-la. Na rede ao lado ela balança o mundo, eu não consigo ver mais nada. O balanço dela me causa vertigem.
Sua voz no fundo me chama "esse pelo todo me faz mal, você sabe". Eu canso de cheirar seu pescoço e ela vira e nutre um vulcão que não entra em erupção até seu oceano desprender de suas profundezas. Dentro dela, eu conheço outras histórias. Eu vi um universo de letras esquisitas demais para a minha cética mistura de lógica e mística católica. Ela é comunista e eu estou aprendendo a ler sobre anarquia em tempos de cólera.
Ela ri da minha insanidade. Da minha imaturidade, ela zomba. E, por minha insegurança, ela me empurra para a maior queda-livre: amá-la em desmedidas. Eu acordei aquela noite com a respiração ofegante porque sonhei com a sua boca, caí em uma insônia profunda.
Alguém bateu no quarto. Eu abri a porta, tinha os cabelos cacheados soltos. Olhei e vi que os olhos eram familiares. Ela estava cada dia mais livre e serena. "Não consegui dormir por causa dessa chuvarada, mãe". "Entre, querida". Dormiram como se não tivesse mais nenhuma chuva. Mas a escuridão não me atingia. Insone continuei e escutei canções de antes, de quando eu sonhava com ela na minha vida. Já estava claro quando ouvi sua voz de sempre "não é hora para dormir agora, há uma vida esperando por nós". E lhe senti no céu da boca.
Os olhos pareciam vidrados. Tomamos banho na hora de sempre. No "banheiro da sala", de onde ouvi sua música favorita de uma mulher cheia de lutas. Eu escutei todas as letras que sorriam na minha língua. Não podia cantar. Não tinha nenhuma melodia na minha boca a não ser a sua saliva. E me hipnotizava a sua pele macia com a textura de água limpa e sabonete. Ela tinha uma indumentária de rainha mesmo nua. E eu não sabia explicar nada até ela pedir o roupão pra ficar molhada na cozinha.
Eu não sabia o que fazer sem ela na minha sala, escutando as mesmas músicas preferidas. Os filmes dela são os mesmos durante as manhãsinhas. Ir ao supermercado só depois das 10h "aquieta a vida". Eu seguia parada olhando ela deitada como quem dormia sua lógica, seus seios lisos derramando uma beleza irresistível. Eu dizia "vamos beber mais tarde um cervejinha para acalmar as coisas". Ela estava certa, eu "iria deixar para depois mais uma pressa"... Eu queria a vida com ela na minha sacada, enquanto eu fumava sozinha.
Eu acordei com o cheiro dela no lençol da cama. Ela estava na crônica de amor e insônia daquela quarentena. O vento do ventilador cantava o toque dela na minha perna fria. Ela é o meu sonho de amor escrito em todas as linhas dessa tarde sozinha.
Eu olhei nos seus olhos e estranhei como eles estavam sorrindo. Eram de uma cor que luzia, tipo cristais em prisma. Um arco-íris se fez no meio da minha vista. As janelas estavam abertas, eu sentia o vento que balançava as venezianas no meu quarto.
Ouvi o som da minha playlist favorita e o nome dela estava chamando na tv. Era ela na minha sequência viciante. De longe, a música dizia "qualquer lugar com você é casa... você é casa". Era ali a minha moradia.
Olhei ao redor, a mesa estava posta. Eu estava sentada inerte. Se o mundo balançasse eu não cairia, apesar da lei de Newton. Ela era o único dispositivo que eu seguia. Ao som macio da sua voz mansa e aguda, ouvi um "eu queria o leite não esse negócio aqui", eu balbuciei "você quer mandar em tudo", com voz suavemente rebelde. Ela me olhou como se dissesse "tá sonhando de novo...seus olhos ficam ausentes".
Acordei de repente. Ela estava de novo na minha mente. Eu estava de novo sorrindo e dizendo "onde ela consegue tamanha autoridade?". Era a dona de tudo que eu via frontalmente. Eu via apenas à frente e o passado estava longe demais com ela sendo um presente incondicionalmente. O futuro era o meu invisível poente. O sol se põe todo dia, e a noite invade a gente.
Ela era o meu nascer. Nasceram tantas coisas dela que eu nem sei o que ela não gestava. Criadora como a natureza imponente. Criatura como o mar mais pungente de vida. Fértil como uma ventania ardendo as florestas. Não há o que pereça em sua dinastia. Ela invadiu a minha sala de jantar, já era 21h e logo tomaria conta de mim durante toda a madrugada.
Eu olhei para ela sentada em uma das cadeiras. Estávamos todos em volta dela na mesa. Era eu, uma bela menina cacheada e boba, um menino de cabelos dourados e ela com os olhos de reprovação pela aquela cena novelesca sem graça. Ela queria o quê? Nossas bílis enquanto passava um breve noticiário na tv longínqua. "Quem deixou essa porcaria ligada?". E eu querendo sentar na sua sala enquanto comia salada e pizza de rúcula.
Ela queria fanta laranja, alguém comprara fanta uva e batatas fritas. Quem se atreveria a tamanha displicência. "Era o que tinha". "Nunca tem milho de pipoca, cerveja longneck e nem meu sorvete favorito". "Qual é o seu sorvete favorito, dona?". "Qualquer um que esteja bem durinho, né, mãe". "Eu ainda pergunto, sabendo que sempre perco essa história". "Calada você está certa, mas falando você é condenada".
Ela me condenou a ser sua. No dia em que lhe vi naquela roda de gente estranha. Ninguém fala nada com nada e eu tô aqui atrás do farol que os olhos dela refletiam desde a porta daquele construção anacrônica. Ela é uma velha resposta aos meus traumas. E eu fui deitar sem conseguir acordar do sonho que é poder tê-la. Na rede ao lado ela balança o mundo, eu não consigo ver mais nada. O balanço dela me causa vertigem.
Sua voz no fundo me chama "esse pelo todo me faz mal, você sabe". Eu canso de cheirar seu pescoço e ela vira e nutre um vulcão que não entra em erupção até seu oceano desprender de suas profundezas. Dentro dela, eu conheço outras histórias. Eu vi um universo de letras esquisitas demais para a minha cética mistura de lógica e mística católica. Ela é comunista e eu estou aprendendo a ler sobre anarquia em tempos de cólera.
Ela ri da minha insanidade. Da minha imaturidade, ela zomba. E, por minha insegurança, ela me empurra para a maior queda-livre: amá-la em desmedidas. Eu acordei aquela noite com a respiração ofegante porque sonhei com a sua boca, caí em uma insônia profunda.
Alguém bateu no quarto. Eu abri a porta, tinha os cabelos cacheados soltos. Olhei e vi que os olhos eram familiares. Ela estava cada dia mais livre e serena. "Não consegui dormir por causa dessa chuvarada, mãe". "Entre, querida". Dormiram como se não tivesse mais nenhuma chuva. Mas a escuridão não me atingia. Insone continuei e escutei canções de antes, de quando eu sonhava com ela na minha vida. Já estava claro quando ouvi sua voz de sempre "não é hora para dormir agora, há uma vida esperando por nós". E lhe senti no céu da boca.
Os olhos pareciam vidrados. Tomamos banho na hora de sempre. No "banheiro da sala", de onde ouvi sua música favorita de uma mulher cheia de lutas. Eu escutei todas as letras que sorriam na minha língua. Não podia cantar. Não tinha nenhuma melodia na minha boca a não ser a sua saliva. E me hipnotizava a sua pele macia com a textura de água limpa e sabonete. Ela tinha uma indumentária de rainha mesmo nua. E eu não sabia explicar nada até ela pedir o roupão pra ficar molhada na cozinha.
Eu não sabia o que fazer sem ela na minha sala, escutando as mesmas músicas preferidas. Os filmes dela são os mesmos durante as manhãsinhas. Ir ao supermercado só depois das 10h "aquieta a vida". Eu seguia parada olhando ela deitada como quem dormia sua lógica, seus seios lisos derramando uma beleza irresistível. Eu dizia "vamos beber mais tarde um cervejinha para acalmar as coisas". Ela estava certa, eu "iria deixar para depois mais uma pressa"... Eu queria a vida com ela na minha sacada, enquanto eu fumava sozinha.
Eu acordei com o cheiro dela no lençol da cama. Ela estava na crônica de amor e insônia daquela quarentena. O vento do ventilador cantava o toque dela na minha perna fria. Ela é o meu sonho de amor escrito em todas as linhas dessa tarde sozinha.
Março 2020 L.A.N.A
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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA