a ciência nas humanidades tem relação com a subjetividade, isso é o que permite o paradigma histórico e dialético. Claro que a gravidade não é uma ciência, ela é uma realidade física. O lugar de fala é uma ciência, ele faz parte de um conceito científico que depende obviamente da subjetividade manifesta histórica e, inclusive, psicologicamente. Não se pode igualar as premissas aritméticas, físicas e químicas com as realidades humanas, apreciáveis nas ciências ditas humanitas. Ninguém irá questionar a princípio de que a gravidade existe, mesmo assim são muitas as discussões científicas sobre os desdobramentos dessa realidade, e nestes casos a historicidade científica se aplica no que é possível compreender e no que ainda não é possível. Nas ciências humanas não lidamos com objetos, com abstrações apartadas do contexto e da subjetividade inclusive que lhe interpreta (como eu disse, é preciso conhecer o livro de professor Japiassú sobre a Ciências Humanas, ele reduziria possíveis lacunas no meu comentário). Quando a palavra fato aparece no seu comentário, ela deixa de ser fato histórico e passa a ser fato absoluto, mas não é sempre assim, principalmente dentro das ciências humanas - exatamente o ambiente acadêmico de onde saiu o artigo em questão. Eu jamais teria a mesma postura analítica diante de um fato físico, químico ou de questões matemáticas, não é está a área do conhecimento a qual estamos examinando especificamente. Quando vc traz a discussão sobre a percepção do real, ou "apreensão do real" eu não pude silenciar em mim a voz de Lacan e a máxima psicanalítica dele sobre a incapacidade da apreensão do real. Para essa ciência humana (psicanálise lacaniana), o real é inatingível mesmo em um esforço teórico. Então, não concordo com sua afirmação sobre o real, embora a palavra realidade estivesse de alguma forma - talvez - mais adequada ao seu contexto afirmativo. Não considero a ciência humana um relativismo epistemológico, e considero o seu comentário uma anticiência porque desqualifica uma área fundamental e funcional do saber científico. As descobertas de Newton são fatos científicos abstratos e as ciências humanas consistem em fatos históricos e subjetivos (no sentido de relacionados às construções dos sujeitos no mundo, é sobre o estado de coisas e não o estado das coisas, no sentido de Wittgenstein). A historicidade, ao contrário do que vc defende não é um limite, mas um aspecto formador que não pode ser ignorado sob pena de - neste caso, sim - restringir, limitar a capacidade analítica do objeto social, histórico e subjetivo. Se vc se opõe ao que a epistemologia da filosofia contemporânea usa como meio de análise, esse é um viés metodológico seu, não precisa ser radicalizado como a única forma verdadeira de se fazer ciência. Não é mesmo? Descarte é sábio em propor em uma das suas últimas discussões teóricas a premissa científica da dúvida. Duvidar é preciso, inclusive duvidar de si mesmo. Por isso, não tem como negar que a ciência exige o debate dentro da realidade, do contexto ao qual se propõe. Lugar de fala não é um confessionário, não é um microfone na mão, nunca será um artifício comunicacional, pois é a comunicação indispensável para a progressão da narrativa histórica. O discurso da história, a partir do lugar de fala, se torna um meio de debates e conflitos subjetivos enriquecedores e mais autênticos, no sentido de representativos. Quando mais interlocutores são ouvidos, maior possibilidade de versões a história terá. O que enriquece a visão de mundo estabelecida pela interdiscursividade, leia-se Patrick Charaudeau sobre isso (Análise do discurso). Nenhuma subjetividade pode ser encarada como uma pessoa no mundo, isso é olhar para o discurso e não enxergar as vozes que lhe antecedem (leia-se Mikail Bahkitin sobre isso "Marxismo e filosofia da linguagem", "Estética da criação verbal"). Somos uma polifonia reverberada na voz de uma simples mulher (isso foi irônico). A experiência não pode ser transmissível, experiências não se transmitem, são sabidas e escutadas, jamais dadas como um objeto de troca material. Experiências são conhecidas e intermediadas para que sua existência seja validada. Um apagamento de experiência é um silenciamento de existências. Os negros foram apagadas da história do Brasil sobre a definição amordaçadora da palavra "escravo", na qual suas identidades foram omitidas criminosamente. Não se está falando de justiça, aqui, mas de ciências humanas. A ética é um princípio no método de muitas ciências humanas como já argumenta Karl Marx, entre outros tratando do discurso do método. A verdade não é obejto da ciência, ela é uma premissa revogável quando está dentro do debate. Reviga-se a verdade absoluta e coloca-se as verdades possíveis. Mesmo porque nem tudo é possível de ser apreensível para a racionalidade humana, somos limitados pela nossa vivência e historicidade. Essa é a premissa de uma ciência humana que se queira possível no século XXI. Por favor, não trate de nenhuma teoria social, subjetiva, linguística e comunicacional como se ela fosse verdade ou fato absoluto porque não é desse tipo de ciência que se está tratando mas da ciência das humanidades e seu olhar deve ser adequado para tal.
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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA