RABELAIS, obrigado por existir:
"Manguaceiros ilustres! Nobres toscos! Estimados aleijões! Sondas de jarros! Hastes de frascos! Registros rodados! Mordomos de névoas! Discípulos de São Martinho! Irmãos chapados! Irmãos cozidos! Irmãos insaciáveis e arrotadores chumbados! Banqueteiros e toneleiros! Trincadentes e trincalínguas! Vastas gorjas! Panças bombadas! Peidorreiros e trapaceiros! Irmãos doidos e preciosos! Por conclusão, notem bem o seguinte: se quiserem conservar nesta vida saúde e venustade, escutem atentamente estas seis regras:
Nunca bebam sozinhos. A companhia de manguaceiros é uma corja altamente estimada e sua palavra baritonante tem peso considerável nos círculos de gendarmes. E mais: peguem dois bêbados; se um, empanturrado de névoa, perder o passo, o outro logo o levanta.
Sigamos: ao despontar o dia, sob o luar virginal da alba, o melhor é brindar com Matusalém; ao meio dia com Baltazar; no crepúsculo choque a caneca com Nabucodonosor.
Só beba do melhor. Beba do sólido. Plínio convida a distinguir os vinhos imbecis dos vinhos válidos; os bilontras vão preferir a segunda opção. Evitem os mequetrefes e mijos de burro. Evitem vinhos xexelentos.
Evitem a cerveja. O poeta Basselin chama os manguaceiros de cerveja de bocas mijantes e diz com justeza que esse trago é bom para os flamengos e alemães, porque têm alma comum. E beber cerveja é causa de males: Júlio, o santo pai, bebeu cerveja e, mostrando sua barba, provocou grande indignação. Por isso, Erasmo de Rotterdam também diz que a cerveja seja infligida aos desgarrados e apóstatas, pois que é um castigo rudíssimo, tão pesada fora a falta.
Porém mais que tudo, evitem a água: de todos os fluidos, é o mais virulento. Grande número de poetas e lansquenetes sucumbiram desafortunadamente por culpa dela. A água prejudica enormemente por causa de seu fedor e pestilência; Aristóteles, na História dos animais, narra como um grande número de gafanhotos, depois de beberem água, se corromperam e, por causa daquela horrível pestilência, abateram oitenta mil pessoas na cidade de Azi. E os membros da congregação da Santa Sé sabem muito bem o que estão fazendo quando vertem um funil de água nas tripas heréticas, porque quem bebe água tem sempre algo por esconder e dissimula alguma obscenidade.
Vamos! Tomem exemplo no ensinamento de Jesus Cristo em Caná, do adorável milagre do Cordeiro.
Evitem também o sangue. O sangue é pernicioso para o corpo humano, como testemunho diversos escritos e opúsculos medicinais e o camarada Avicena, também ele, recomenda a prática abundante da sangria. Reconhecemos que o sangue é um fluido gravemente nocivo porque esguicha e escorre só de furar alguém com um punhal; porque o corpo humano aproveita a mais ínfima oportunidade para se livrar desse veneno; e Marnardi de Ferrara nos ensina que devemos escutar o que o corpo nos ordena, pois através dele fala o Espírito Santo. Eis por que, erguendo o cálice, o Salvador disse: “Isto é o meu sangue”, o que prescreve que troquemos todo nosso sangue por vinho, que nem uma cunha empurra a outra; e nós ficaremos saudáveis e adoraremos a Deus com fervor. ἄγιος κ᾽ἀθάνατος ὁ Θεός [Santo Deus imortal].
Ah! saibam também o seguinte: vocês têm a vida inteira para gargalhar e toda a morte para repousar."
[Trecho tirado do "Tratado do bom uso de vinho", cujo original francês se perdeu. A pintura é de Adriaen Brouwer, séc. XVII].
"Manguaceiros ilustres! Nobres toscos! Estimados aleijões! Sondas de jarros! Hastes de frascos! Registros rodados! Mordomos de névoas! Discípulos de São Martinho! Irmãos chapados! Irmãos cozidos! Irmãos insaciáveis e arrotadores chumbados! Banqueteiros e toneleiros! Trincadentes e trincalínguas! Vastas gorjas! Panças bombadas! Peidorreiros e trapaceiros! Irmãos doidos e preciosos! Por conclusão, notem bem o seguinte: se quiserem conservar nesta vida saúde e venustade, escutem atentamente estas seis regras:
Nunca bebam sozinhos. A companhia de manguaceiros é uma corja altamente estimada e sua palavra baritonante tem peso considerável nos círculos de gendarmes. E mais: peguem dois bêbados; se um, empanturrado de névoa, perder o passo, o outro logo o levanta.
Sigamos: ao despontar o dia, sob o luar virginal da alba, o melhor é brindar com Matusalém; ao meio dia com Baltazar; no crepúsculo choque a caneca com Nabucodonosor.
Só beba do melhor. Beba do sólido. Plínio convida a distinguir os vinhos imbecis dos vinhos válidos; os bilontras vão preferir a segunda opção. Evitem os mequetrefes e mijos de burro. Evitem vinhos xexelentos.
Evitem a cerveja. O poeta Basselin chama os manguaceiros de cerveja de bocas mijantes e diz com justeza que esse trago é bom para os flamengos e alemães, porque têm alma comum. E beber cerveja é causa de males: Júlio, o santo pai, bebeu cerveja e, mostrando sua barba, provocou grande indignação. Por isso, Erasmo de Rotterdam também diz que a cerveja seja infligida aos desgarrados e apóstatas, pois que é um castigo rudíssimo, tão pesada fora a falta.
Porém mais que tudo, evitem a água: de todos os fluidos, é o mais virulento. Grande número de poetas e lansquenetes sucumbiram desafortunadamente por culpa dela. A água prejudica enormemente por causa de seu fedor e pestilência; Aristóteles, na História dos animais, narra como um grande número de gafanhotos, depois de beberem água, se corromperam e, por causa daquela horrível pestilência, abateram oitenta mil pessoas na cidade de Azi. E os membros da congregação da Santa Sé sabem muito bem o que estão fazendo quando vertem um funil de água nas tripas heréticas, porque quem bebe água tem sempre algo por esconder e dissimula alguma obscenidade.
Vamos! Tomem exemplo no ensinamento de Jesus Cristo em Caná, do adorável milagre do Cordeiro.
Evitem também o sangue. O sangue é pernicioso para o corpo humano, como testemunho diversos escritos e opúsculos medicinais e o camarada Avicena, também ele, recomenda a prática abundante da sangria. Reconhecemos que o sangue é um fluido gravemente nocivo porque esguicha e escorre só de furar alguém com um punhal; porque o corpo humano aproveita a mais ínfima oportunidade para se livrar desse veneno; e Marnardi de Ferrara nos ensina que devemos escutar o que o corpo nos ordena, pois através dele fala o Espírito Santo. Eis por que, erguendo o cálice, o Salvador disse: “Isto é o meu sangue”, o que prescreve que troquemos todo nosso sangue por vinho, que nem uma cunha empurra a outra; e nós ficaremos saudáveis e adoraremos a Deus com fervor. ἄγιος κ᾽ἀθάνατος ὁ Θεός [Santo Deus imortal].
Ah! saibam também o seguinte: vocês têm a vida inteira para gargalhar e toda a morte para repousar."
[Trecho tirado do "Tratado do bom uso de vinho", cujo original francês se perdeu. A pintura é de Adriaen Brouwer, séc. XVII].
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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA