quarta-feira, 20 de junho de 2018

Porque gosto de sentir ela deslizando sobre a folha que estava branca. Também gosto demais de lápis ou lapiseira, ainda mais com as pontinhas bem afinadinhas, são como um caminhar na grama sem sapato. Gosto demais de ouvir o risco fazendo música enquanto escreve uma versão da vida, que pode ser embolada e jogada fora, mas um dia já foi pensada, às vezes foi também sonhada antes de ser apenas um bolinha amassada de papel.

sábado, 9 de junho de 2018

"eu misturei tudo...eu escolhia os livros pelos títulos e não pelos autores" essa declaração é claramente uma resposta para o entrevistador despreparado que foi até Clarice. Ela está visivelmente contrariada por ser colocada em um lugar que não se enxerga, isto é, o lugar da autoria das ideias. Barthes, quando falava da morte do autor, com certeza denunciava isso. Antes do sujeito que escreve, a inscrição, a palavra. Clarice não era um ser iluminado, apenas fazia seu trabalho de escrever sobre a vida com sensibilidade e arte. A arte que reclama fama e sucesso não é a expressão estética. E Clarice diz exatamente que não tinha nem porquê para conhecer os autores já que buscava o livro, a palavra. O objeto livro e a palavra são os meios de fruição, a pessoa, o sujeito não são meios, são os próprios fins. A raiva que Clarice verbaliza é claramente um "estou com raiva de ter feito isso comigo" , talvez ter aceitado essa entrevista sobre a qual mais disse para o mesmo propósito: o de venderem a imagem do ser enigmático que ela por certo não se queria. É o humano Clarice que estava perdido, como no conto de Machado de Assis "No espelho", em que Jacobina não se enxerga por não estar usando sua máscara social. A aparência, ou a aparente figura, que sucumbi a real vivência que é recolhida à vida de cada um de nós entre os nossos, que não é pública e nada pode vendê-la. Talvez essa tenha sido uma oportunidade de resistência de uma mulher que se sentia mais usada em sua imagem como uma vitrine do que uma alma, uma alma humana quando encontra outra.

domingo, 3 de junho de 2018

A educação ainda assim pode ser uma chave para abrir a porta de muitas outras soluções. Veja bem, não se trata de dizer que a escola irá resolver tudo sozinha como se fosse um super-herói de quadrinhos. Ao contrário trata-se de mudar a lógica educacional a qual estamos submetidos. Enquanto as escolas estiverem fechando as portas, erguendo seus muros, segregando os não selecionados e escasseando seus benefícios, ela será um dos meios mais fecundos de proliferação da violência. Ainda mais quando as prisões estão de portas sempre abertas dizendo "venham a mim". Os shoppings são espaços de formação em massa de uma população com sede de saber. Saber não é conteúdo, saber não é instrumento, saber é experiência, saber está no corpo que se move e que constrói seja lá o que for. As escolas estão guardadas, seus livros, seus atores, seus conhecimentos e suas oportunidades são para os poucos que "merecem". Essa lógica é perversa e gera perversos. Solucionar essa equação está longe de ser fácil ou simples, mas por certo abrir as janelas, as grades, as portas e derrubar os muros das escolas é uma das principais formas de desconstruir esse sistema. Quando a comunidade perceber que a escola lhe pertence, que o saber é compartilhado, as portas dos presídios terão que se fechar pois ninguém mais irá querer ir para lá. A escola que abre suas asas para a comunidade é um infinito lugar de experiência, um lugar de comunicação e vivência. Educação não é transmitida como se pensa estar fazendo hoje em dia. Educação não é doença para ser transmitida. É como alimento que deve ser compartilhado. Ninguém educa ninguém, o sábio Freire já avisava. A gente é educada na mesma mesa onde se serve todo dia um pão para todos e para qualquer um sem distinção.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Acho estranho essa forma de combate e enfrentamento entre mulheres, não que a ausência de conflito seja possível, mas a radicalidade é também uma forma que flerta com o absurdo. Sabemos que o feminismo não começa nos livros e nem nas referências bibliográficas, ele está na nossa vivência, ele é experiência e não reflexão abstrata e filologismo político. Precisamos respeitar as diferenças se não nossas divergências nos afastarão mais ainda. Ser heterossexual, bissexual ou homossexual nunca será um opção, mas sempre precisa ser respeitada como uma identidade. Seja pela opressão patriarcal ou pela militância radical muitas somos influenciadas e isto não é legal porque converge para o ponto que realmente importa: opressão feminina. É uma repressão sexual "por coerência" ali, uma inibição comportamental pra não deixar o rolê acolá e o mundo sai do dominante (masculino) para o subordinador (masculinizante). Esse mito do super potente precisa ser ultrapassado nas questões sociais e políticas para que avancemos diante do que o feminismo em sua questão essencial impõe: direitos iguais, sem equiparações compulsórias. Ser o que se é não anda na moda, mas precisamos falar melhor sobre modismos e necessidades urgentes!