sábado, 9 de junho de 2018

"eu misturei tudo...eu escolhia os livros pelos títulos e não pelos autores" essa declaração é claramente uma resposta para o entrevistador despreparado que foi até Clarice. Ela está visivelmente contrariada por ser colocada em um lugar que não se enxerga, isto é, o lugar da autoria das ideias. Barthes, quando falava da morte do autor, com certeza denunciava isso. Antes do sujeito que escreve, a inscrição, a palavra. Clarice não era um ser iluminado, apenas fazia seu trabalho de escrever sobre a vida com sensibilidade e arte. A arte que reclama fama e sucesso não é a expressão estética. E Clarice diz exatamente que não tinha nem porquê para conhecer os autores já que buscava o livro, a palavra. O objeto livro e a palavra são os meios de fruição, a pessoa, o sujeito não são meios, são os próprios fins. A raiva que Clarice verbaliza é claramente um "estou com raiva de ter feito isso comigo" , talvez ter aceitado essa entrevista sobre a qual mais disse para o mesmo propósito: o de venderem a imagem do ser enigmático que ela por certo não se queria. É o humano Clarice que estava perdido, como no conto de Machado de Assis "No espelho", em que Jacobina não se enxerga por não estar usando sua máscara social. A aparência, ou a aparente figura, que sucumbi a real vivência que é recolhida à vida de cada um de nós entre os nossos, que não é pública e nada pode vendê-la. Talvez essa tenha sido uma oportunidade de resistência de uma mulher que se sentia mais usada em sua imagem como uma vitrine do que uma alma, uma alma humana quando encontra outra.

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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA