sexta-feira, 8 de março de 2019

Psiu, gostosa
Vem aqui
Ô linda
Foge não
Vadia
Nojenta
Vagabunda
Piranha
Bruxa
Lixo

Ô mocinha
Toma um banho
Limpa teu sangue
Eu prefiro limpa, assim
Limpa esse chão
Limpa essa louça aqui
Quero teu corpo limpo

Ô querida
Tão nervosa
Não precisa
É louca
É neurótica
Fica quietinha
Fecha a perninha
Sente como menininha

É tão frágil
É cristal
Mimo meu
Na minha estante
Calada
Muda
Silenciada

Ei, mulher
Eu tenho uma flor
Feliz dia
Sorria
Eu salvei o dia

Toma, boneca
Uma promoção de perfume
Maquiagem mais em conta
Lingerie na promoção
É teu dia, bonita!

Tá com frescura, gatinha?
Volta aqui
Vamos conversar
Eu não queria ter de te machucar
Vai dar jogo pro azar?
Bruxa
Vagabunda
Filha da puta

Eita, coitadinha
Tão novinha
Quis dar
Não soube se cuidar
Agora nada de abortar
Engula essa tua culpa
Mamãe
Trancada
Forçada
Quem mandou?

Ah, mas isso é fase
Hoje não quer ser mãe
Quando encontrar homem bom
Espera só, querida
Toda mulher nasce pra isso
É vocação
Questão de tempo
Espera só


Dupla jornada
Balela de louca
Eu sou um fofo
Estou aqui com sua pensão
Sua vocação
Não minha

Olha, putinha
Quer abortar?
Teu nome tá em sangue
Lá no chão da favela
1 milhão por ano
Clandestinas
É Gabriela?
Cravo ou Canela?
Não tem chá
Não tem pai
Não tem saúde
Não tem
Não

Não pode descuidar
Tem que tomar
A pílula
Engula
Um pouquinho a cada dia
Trombofílica
Hipertensa
Cancerígena
Mas descuidar não pode
Pode suas asas

Olha ali, tá gordinha
Desleixou
Tá descuidada
Desse jeito acaba sozinha
Mas tem rosto tão bonito
Não se cuida
Questão de saúde, sabe?
Me preocupo
Juro que não é padrão

Filme de terror
É rua escura
Passo próximo
Respiração ritmada
Pensou era demônio
Era homem
Ali
Sozinha
Suja
Pintando a sarjeta de sangue
Por hora são onze

Vocês querem falar sobre flores? Eu não quero nem vê-las. A bizarrice poética desse dia é fruto da dor das nossas mulheres: estupradas, silenciadas, subestimadas, impedidas, mutiladas, espancadas, violentadas, exploradas, forçadas.
Todos. Os. Dias.

8 de março é dia de luta.

Texto: Luiza passarin

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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA