terça-feira, 3 de novembro de 2020

Olho os homens,  geralmente brancos, ao meu redor, que estão em suas motos ou seus carros.  Tenho 32 anos, sou concursada há 4 anos, trabalho em minha carreira de professora desde 2011 e nunca consegui sonhar em ter um carro. Sempre ajudei a minha família financeiramente,  sempre me senti responsabilizada pelos problemas alheios à fim de me comprometer afetiva e financeiramente com situações que são provenientes de outras pessoas e não  minhas.  Sigo, para ser sintética,  o exemplo da minha mãe. Ela nunca teve um guarda-roupa que tenha comprado para si mesma porque comprava tudo da casa dos pais, em que os irmãos ou qualquer outra pessoa poderia manusear, quebrar ou depreciar porque por ser do dinheiro de trabalho de 12h em pé no comércio que ela fazia, era visto como pouco. EU QUIS ROMPER ESSA ESCRAVIDÃO.  Sinto como se o senso de fraternidade da família patriarcal do judaico-cristianismo seja de fato como uma mentalidade escravizadora de mulheres. Sinto isso na pele. Vejo muitas mulheres se responsabilizarem sozinhas por seus filhos, por seus afilhados, por seus netos, por seus bisnetos...tudo recai sobre nossos ombros enquanto os homens têm o direito de terem o quiserem, serem o que quiserem, fazerem o que qiiserem,  sentirem o que quiserem, mandarem onde quiserem, mudarem até as leis... Há nessa realidade incontestavelmente milenar, de ao menos 6 milênios,  de acordo com o estudo historiográfico de Gerda Lerner em "A Criação do Patriarcado", VIOLÊNCIA DE GÊNERO.  Existe uma ancestralidade misógina que naturaliza a escravização das mulheres. Então, romper com esse "destino", transgredir essa tragédia é uma reparação histórica muito íntima. Necessitamos arrebentar até mesmo as nossas correntes já que há certo privilégio, indiscutível,  na relação interracial, entre gêneros, intersexual e entre classes na interação das mulheres.  Precisamos muitas vezes  perceber até nossos privilégios a fim de cortar o "cordão umbilical" que nutre o patriarcado em nós, o que se pode definir também de dispositivo materno-amoroso, como denomina  Zanello. Então, é  isso. Na dor de uma, a outra se sente e se aproxima para que se curem juntas.

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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA