quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Sabe aquela música Hallelujah?
Se você não está em uma caverna nas últimas décadas, você com certeza já ouviu ela em alguma série ou filme.
Aquela mesmo que fica "aleluuuuiaaa, aleeluuuiaaa", sabe?

Então, ela é de um cantor chamado Leonard Cohen e teve uma história bizarra pra chegar até a gente.

Começa que o Cohen tem aquela criatividade perfeccionista. Coisa de doente mesmo.
Não tá bom, não tá legal, vamos melhorar.
Lá se vão 80 versões.
Imagina Cohen de cueca batendo a cabeça no chão do hotel para que ela ficasse pronta. Oitenta vezes.
Aí ele foi lá mostrar pra gravadora.

Certeza que iam amar, né?

Odiaram.

Acabou que o Cohen apelou pra uma gravadora independente lançar a música.
(Sério. A primeira versão não era boa mesmo.)
Lançou. Ninguém ouviu. Cagaram pra ele.
Falei que não era boa.

Mas o Cohen não desistiu.
Continuou melhorando a música e tocando uma versão diferente em cada show.
Mudava letra, mudava melodia, dava um jeitinho.
Depois vocês acham que eu sou perfeccionista.

Num desses shows, Hallelujah deu sorte de ser ouvida pelo John Cale.
John Cale é um dos caras do Velvet Underground junto do Lou Reed e tal. Um famoso do mundo da música.
Cale adorou a música e decidiu criar sua própria versão.
Bem diferente da do Cohen.

Agora vai!
Vai nada.
A música só saiu no CD – é, CD – I'm Your Fan, em tributo ao Cohen.
Que ninguém comprou.
Que ninguém ouviu.

Quase ninguém, na verdade.
Uma das pessoas que comprou o álbum foi a Janine.
Nem adianta googlar que ela não é famosa.
Quem ficou famoso foi o amigo que cuidava da casa dela às vezes:
Jeff Buckley

Jeff era um zé ninguém na época.
Tava lá, ajudando a amiga e achou o álbum pegando poeira.
Colocou pra tocar.
Adorou Hallelujah na versão do John Cale.
Resolveu criar sua própria versão.

Jeff tocava em bares.
Numa dessas, quem ouve é um cara de uma grande gravadora.
Que se apaixona pela música.
Ele assina com o Jeff Buckley pra gravar um álbum por causa dessa música.
Azarada desse jeito, não é surpresa que foi o único álbum do Jeff.

Agora muita gente conhece o Jeff Buckley.
Na época que lançou, seu álbum também não fez muito sucesso.
É um daqueles coitados que só ficou famoso depois que morreu.
Afogado, nadando de roupa e coturno no Rio Mississipi enquanto cantava Whole Lotta Love. Sóbrio.
A imprensa falou bastante disso.
E, assim, todo mundo começou a ouvir Hallelujah.

Hoje todo mundo conhece a música na voz do Jeff Buckley.
Só a versão dele já tocou em The OC, House, Criminal Minds, ER, Cold Case e Senhor das Armas.
A lista é imensa.
Até nessa nova série, Justiça, ela toca.
Na versão do Rufus Wainwright, a mesma do Shrek.

E lá se vão os infinitos covers de Hallelujah.
Normalmente, covers da versão do Jeff Buckley.
Que é cover da versão do John Cale.
Que é cover da original do Cohen.

O que quero dizer com isso?
Que essa música foi feita para não ser ouvida.
Se o Cohen não tivesse batido a cabeça no chão do hotel e criado um milhão de versões dessa música.
Se não tivesse lançado um álbum falido com uma gravadora independente.
Se não tivesse tocado várias versões em seus shows.
Se a Janine não tivesse comprado o CD.
Se o Jeff Buckley não fizesse house sitting.
Se ele não resolvesse colocar o CD pra tocar.
Se Jeff não tocasse nos barzinhos.
Se o executivo da gravadora não tivesse ouvido o Jeff tocar.
Se o Jeff não tivesse morrido de uma forma tão bizarra.
Hallelujah talvez nunca teria sido ouvida por você.

(e você não choraria com ela tocando na morte da Marissa)

Pra você ver que:
- você deve continuar tentando
- você pode criar de cueca
- você deve continuar melhorando
- você deve botar pro mundo
- você não deve nadar no rio de roupa e coturno
- contar um pouquinho com a sorte é sempre bom


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"Quebrem as correntes dos seus pensamentos e conseguirão quebrar as correntes do corpo..." ("A História de Fernão Capelo Gaivota" BACH, 1970, p. 122/3).
Hilda Freitas, Belém/PA